Sabe quando, numa conversa informal ou mesmo num debate, alguém diz “mas eu juro, vi com meus próprios olhos!”, ou algo como “um conhecido me afirmou que ele mesmo viu!”? Pois então, estes exemplos de evidências anedóticas.
Uma “evidência anedótica” nada mais é do
que algo que alguém conta (uma história, conto) e tenta usar isto como
evidência de algo. Um bom exemplo são testemunhos dados na justiça, onde
tudo o que a pessoa relata é aquilo que ouviu de outros. Da Wikipedia:
Evidência anedótica, ou evidência anedota refere-se a uma evidência informal na forma de anedota (conto, episódio, derivado do grego anékdota, significando ‘coisas não publicadas’), ou de “ouvir falar”. Quando utilizado em propaganda ou promoção de um produto, serviço ou idéia, a evidência anedótica é chamada de testemunho e é banida em algumas juridições norte-americanas. Também pode ser usada em contexto legal para certos testemunhos.O termo é geralmente utilizado em contraste com evidência científica, especialmente na medicina baseada em evidências, que é uma evidência formal. A evidência anedótica freqüentemente não é considerada científica pois raramente pode ser analisada segundo o método científico. O mau uso de evidências anedóticas como evidências formais é considerada uma falácia (erro de argumentação lógica).
O primeiro problema deste tipo de evidência é algo que foi muito repetido pelo personagem Gregory House, interpretado por Hugh Laurie, na série de TV House M.D.:
“Todo mundo mente.”
– Gregory House
E realmente: todos nós mentimos, nem que
seja para evitar discussões. Um ótimo exemplo é quando você sai e, logo
depois, recebe uma ligação de sua mãe perguntando se você levou
agasalho. O que fazemos nesta situação? Por mais honestos que sejamos,
respondemos “Sim, mãe, claro que trouxe”, mesmo isto não sendo verdade –
o que caracteriza, em si, uma mentira. Certas pessoas ainda contam
mentiras maiores sem qualquer remorso, além de existirem mitomaníacos
(pessoas que mentem compulsivamente – leia mais sobre isto aqui).
O mais interessante é que os chamados
“ufólifos” (pessoas leigas que gostam de ufologia e que participam de
fóruns sobre o tema) parecem não saber disto. Digo isto pois toda vez
que aparece um novo caso, a primeira coisa que eles costumam afirmar é
que a pessoa que relata o caso não teria motivos para mentir. Contudo, o
fato é que mentimos até mesmo sem motivo algum, portanto esta afirmação
jamais pode ser usada como argumento.
Um segundo ponto são as falsas memórias.
Eu não sou especialista no tema, mas o fato é que, em algumas
circunstâncias (forte emoção, sugestionamento, etc), nosso cérebro acaba
gerando falsas memórias, as quais, depois, são lembradas pela pessoa
como se fossem memórias reais. (Caso queira, leia mais sobre isto aqui.)
O ponto é que quando uma pessoa conta uma falsa memória ela está de
fato mentindo, mas sem ter consciência disto. Mais do que isto, a pessoa
é capaz de jurar que aquilo que ela conta é algo real, quando na
verdade não o é.
Outro problema das evidências anedóticas
é que, mesmo que o relatado seja real, a pessoa que o conta não leva em
conta dados estatísticos. A psicologia já demonstrou que as pessoas
tendem a se lembrar com maior facilidade de exemplos notáveis, que
chamam mais atenção, do que de exemplos ordinários. Isto leva à falsa
impressão de que estes exemplos notáveis ocorrem com uma frequência
maior do que realmente ocorrem. O fato é que, se dados estatísticos
fossem levados em conta, eles poderiam evidenciar se a ocorrência
estaria ou não dentro da variação prevista.
O último problema vem das próprias
exigências do método científico: a falseabilidade, que exige que tudo,
para ser considerado ciência, deva possibilitar a verificação. Da Wikipedia:
Falseabilidade, falsificabilidade ou refutabilidade é um conceito importante na filosofia da ciência (epistemologia), proposto por Karl Poppernos anos 1930, como solução para o chamado problema da indução. Para uma asserção ser refutável ou falseável, em princípio será possível fazer uma observação ou fazer uma experiência física que tente mostrar que essa asserção é falsa.Por exemplo, a asserção “todos os corvos são pretos” poderia ser falseada pela observação de um corvo vermelho. A escola de pensamento que coloca a ênfase na importância da falseabilidade como um princípio filosófico é conhecida como a Falseabilidade.
A questão é: como poderíamos verificar,
testar ou mesmo observar algo que lhe está sendo relatado? Em alguns
casos, como na medicina, evidências anedóticas podem ser descrita e
publicada cientificamente como um “relato de caso”. Este é um modo mais
formal, cientificamente correto, sujeito a revisão por pares, que e invoca a realização de estudos científicos mais rigorosos
sobre o fenômeno em questão. Contudo, no caso de um relato de abdução,
como poderíamos fazer qualquer teste? Ou pior: como fazer para que um
cientista possa observar o que é relatado? Bem, até onde eu saiba, OVNIs
não aparecem com data marcada nem surgem nos céus com determinada
periodicidade. Assim, por mais que um cientista possa visualizar
determinado OVNI, ele não terá como observar aquele que foi relatado.
Evidências anedóticas também podem ser
consideradas como falhas de lógica (falácia). Por exemplo, alguém que
alega ter tido um encontro com um “ser sobrenatural” ou com um ET pode
apresentar uma história vívida, até mesmo com aparente verdade, mas isso
jamais será falseável. Ou seja, a “validação” de tais relatos sempre
será subjetiva, nunca objetiva. E aqui entra a estatística novamente: a
aparência de que exemplos notáveis sejam mais comuns do que os não
notáveis. Assim, conforme o uso da evidência anedótica, pode-se cair em
diversas falácias diferentes.
“O maior pecado contra a mente humana é acreditar em coisas sem evidências. A ciência é somente o suprassumo do bom-senso — isto é, rigidamente precisa em sua observação e inimiga da lógica falaciosa.”— Thomas H. Huxley
Espero, assim, ter explicado minimamente
o porquê da invalidade de evidências anedóticas e espero que, ao ler
isto, as pessoas passem a evitar seu uso. Assim conseguimos debates
melhores, com conclusões melhores.
Até porque eu tive um tio que… Brincadeira.
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