quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Cientistas usam vírus HIV em crianças para combater leucemia


Emma Whitehead foi diagnosticada com leucemia linfoblástica aguda em 2010, com 5 anos. Com 6, estava perto da morte depois de recair duas vezes após a quimioterapia – os médicos estavam ficando sem opções.

Desesperados para salvá-la, seus pais procuraram um tratamento experimental no Hospital Infantil da Filadélfia (EUA). O tratamento em questão nunca tinha sido tentado em uma criança, ou em qualquer pessoa com o tipo de leucemia que Emma tinha.
O experimento, em abril, usou uma forma desabilitada do vírus que causa a AIDS para reprogramar geneticamente o sistema imunológico de Emma, a fim de matar células cancerosas.
Depois de um tratamento conturbado, Emma terminou-o sem câncer. Cerca de sete meses depois, ela ainda está em remissão completa.
Ela é a primeira criança e um dos primeiros seres humanos a conquistar um objetivo há muito procurado: dar ao próprio sistema imunológico a capacidade duradoura de combater o câncer.
Emma está entre apenas uma dúzia de pacientes com leucemia avançada que receberam o tratamento experimental, desenvolvido na Universidade da Pensilvânia (EUA). Três adultos com leucemia crônica também tiveram remissão completa, sem sinais de doença. Dois deles ficaram bem por mais de dois anos. Quatro adultos melhoraram, mas não tiveram remissão completa. Uma criança melhorou e, em seguida, teve uma recaída. Em dois adultos, o tratamento não funcionou.
“Nosso objetivo é ter uma cura, mas não podemos dizer isso ainda”, explica o Dr. Carl June, que lidera a equipe de pesquisa da Universidade da Pensilvânia.
Ele espera que o novo tratamento substitua o transplante de medula óssea no futuro, um procedimento ainda mais árduo, arriscado e caro do que a nova técnica, e que é hoje a última esperança quando outros tratamentos falham em doenças como leucemia.
Por ser uma ideia nova e estar no começo dos testes, muitos especialistas estão esperançosos que a técnica possa tratar muitos cânceres no futuro.
Uma empresa farmacêutica, Novartis, está apostando na equipe de Pensilvânia e comprometeu-se com US$ 20 milhões (cerca de R$ 40 mi) para a construção de um centro de pesquisa no campus da universidade para trazer o tratamento para o mercado.

A técnica

Para realizar o tratamento, os médicos removem milhões de células T do paciente, um tipo de glóbulo branco, e inserem novos genes que permitem que as células T matem células cancerosas.
A técnica emprega uma forma desabilitada do vírus HIV, porque ela é muito boa em carregar material genético para células T. Os novos genes programam as células T para atacar as células B, uma parte do sistema imunitário que fica maligna na presença de leucemia. As células T alteradas são então colocadas de volta no paciente, e, se tudo correr bem, se multiplicam e começam a destruir o câncer.
Um sinal de que o tratamento está funcionando é quando o paciente fica terrivelmente doente, com muita febre e calafrios – uma reação que os oncologistas chamam de síndrome da libertação de citocinas, ou tempestade de citocinas, referindo-se aos produtos químicos naturais liberados pelas células do sistema imunológico conforme ele está sendo ativado, causando febre e outros sintomas. Essa “tempestade” também pode inundar os pulmões e causar quedas perigosas na pressão arterial – efeitos que quase mataram Emma.
Esteroides às vezes facilitam essa reação, mas não ajudaram Emma. Ela ficou inconsciente e inchada, quase irreconhecível. Porém, uma bateria de exames de sangue deu aos pesquisadores uma pista sobre o que podia ajudar a salvar Emma: seu nível de uma das citocinas, a interleucina-6 ou IL-6, estava muito alto.
Eles usaram uma droga para artrite reumatoide para baixar esses níveis, e funcionou tão bem que mais tarde os cientistas usaram o mesmo fármaco, tocilizumab, em vários outros pacientes.
Em pacientes com remissões duradouras após o tratamento, a alteração de células T persistiu na corrente sanguínea, embora em menor número do que quando estavam combatendo a doença. Alguns pacientes têm as células alteradas há anos.

O futuro

Os pesquisadores da Pensilvânia ficaram surpresos ao descobrir que uma grande empresa farmacêutica estava interessada em seu trabalho, porque um novo lote de células-T deve ser criado para cada paciente, uma estratégia muito diferente das manobras comerciais de produtos como o Viagra ou medicamentos para o colesterol, em que milhões de pessoas tomam o mesmo medicamento.
Mas a Novartis está tomando um caminho diferente com medicamentos contra o câncer: a empresa está à procura de tratamentos com um impacto grande e inconfundível em um pequeno número de pacientes. Tais drogas podem ser aprovadas mais rapidamente e de forma eficiente.
No entanto, tais medicamentos tendem a ser extremamente caros. Um exemplo é a droga Glivec, da Novartis, que ganhou rápida aprovação em 2001 para uso contra certos tipos de leucemia e tumores gastrointestinais: pode custar mais de US$ 5.000 (cerca de R$ 10 mil) por mês, dependendo da dosagem.
A produção de células-T projetada custa cerca de US$ 20.000 (R$ 40 mil) por paciente – menos do que o custo de um transplante de medula óssea. Ampliar o procedimento deve torná-lo ainda mais barato – porém, esse cálculo não inclui qualquer margem de lucro.
Por enquanto, mais pesquisas são necessárias para descobrir porque os pacientes respondem de forma diferente ao tratamento, e porque ele não funciona em alguns.
Até agora, as células T alteradas só mostraram uma desvantagem: elas destroem as células B saudáveis, bem como as cancerosas, deixando os pacientes vulneráveis a certos tipos de infecções. Por isso, Emma e os outros pacientes precisam de tratamentos regulares com imunoglobulinas para prevenir doenças.[NYTimes]

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