sexta-feira, 8 de março de 2013

Arqueólogos descobrem mais antigo corpo dissecado humano


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Temos sorte que nosso conhecimento em medicina só tem aumentado. Na antiguidade, as chances de morrer por condições médicas eram muito maiores, e vários dos procedimentos realizados eram monstruosos (por falta de uma palavra melhor para expressá-los).
Sem contar o fato de que, antes do Iluminismo, a ciência era frequentemente negligenciada em favor a práticas “menos confiáveis”, como rituais mágicos ou religiosos.
No entanto, arqueólogos descobriram recentemente uma cabeça humana dissecada e bem preservada que remonta aos anos de 1200, o que mostra que a Idade Média não era tão “anticiência” quanto alguns estudiosos nos fazem crer.
A cabeça mumificada parece horrível, mas segundo os cientistas foi com certeza um projeto de ciência medieval – uma dissecação que, graças ao seu ótimo estado de preservação, foi provavelmente usada para educação médica contínua.
A identidade do homem não é conhecida. Os pesquisadores sugerem que ele poderia ter sido um prisioneiro, uma pessoa institucionalizada, ou talvez um mendigo cujo corpo nunca foi reivindicado.

Conhecimento avançado para a época

Segundo os pesquisadores, quem preservou esta cabeça sabia o que estava fazendo. As veias e artérias foram preenchidas com uma mistura de cera de abelha, cal e cinábrio (sulfeto de mercúrio) – compostos que preservam o corpo, dando também ao sistema circulatório alguma cor (mercúrio tem uma tonalidade vermelha).
A preparação da amostra se mostrou surpreendentemente avançada. A datação por radiocarbono coloca a idade do corpo entre 1200 e 1280, uma época considerada pertencente à era anticientífica europeia da “Idade das Trevas”.
Apesar disso, o novo espécime sugere conhecimentos de anatomia inesperados para tal momento da história. “É incrível. Suponho que o preparador não tenha feito isso apenas uma vez, mas várias vezes, para ser tão bom nisso”, disse o pesquisador Philippe Charlier, médico e cientista forense do Hospital Universitário R. Poincaré, na França.
O espécime, agora em uma coleção particular, consiste de uma cabeça humana e ombros com a parte superior do crânio e do cérebro removido. Mordidas pequenas de roedores e trilhas de larvas de insetos marcaram um pouco seu rosto.
O achado deve entrar em exibição no Museu de História da Medicina, em Paris (França).

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Idade das Trevas x Ciência

No segundo século, um romano etnicamente grego chamado Galeno tornou-se médico dos gladiadores. Seus vislumbres do corpo humano através das feridas desses guerreiros, combinadas com muitas dissecações sistemáticas de animais, tornaram-se a base da medicina islâmica e europeia durante séculos. A supremacia anatômica dos textos de Galeno só foi desafiada no Renascimento, quando dissecações humanas – muitas vezes em público – se tornaram populares.
Agora, com a nova descoberta, ficou provado que os médicos da Europa medieval não eram tão ociosos quanto parece – de fato, eles são autores da mais antiga conhecida dissecção preservada humana.
“Houve progresso científico considerável no final da Idade Média, em particular a partir do século 13″, disse James Hannam, historiador e autor do livro “The Genesis of Science: How the Christian Middle Ages Launched the Scientific Revolution” (em português, “A Gênese da Ciência: Como a Idade Média Cristã lançou a Revolução Científica”, 2011).
Hannam aponta que, durante séculos, os avanços da Idade Média foram esquecidos. Segundo ele, nos séculos 16 e 17, tornou-se uma “moda intelectual” para pensadores citar fontes antigas gregas e romanas, em vez de cientistas da Idade Média.
Grande parte dessa memória seletiva resultou em sentimentos anticatólicos, por conta da propaganda sobre como a Igreja Católica estava prejudicando o progresso humano.
Hannam afirma que a partir deste sentimento anticatólico surgiu um grande número de mitos, como a ideia de que todos acreditavam que o mundo era plano até Cristóvão Colombo navegar para a América. “Eles não pensavam nada do tipo”, disse.
Da mesma forma, os propagandistas do Renascimento espalharam o boato de que a igreja cristã medieval proibia autópsias e dissecação humana, segurando o progresso da medicina.
Na verdade, conta Hannam, muitas sociedades proibiram ou limitaram o desmembramento de cadáveres humanos, desde os antigos gregos e romanos até os europeus mais adiantados (é por isso que Galeno dissecava animais e não os gladiadores). Mas autópsias e dissecação não estavam sob a proibição da igreja na Idade Média. Inclusive, a igreja às vezes ordenava autópsias, com a finalidade de procurar sinais de santidade no corpo de uma pessoa.
O primeiro exemplo de uma dessas “autópsias santas” ocorreu em 1308, quando freiras realizaram uma dissecação do corpo de Clara de Montefalco, uma abadessa que seria canonizada como santa em 1881. As freiras relataram a descoberta de um crucifixo minúsculo no coração da abadessa, bem como três pedras em sua vesícula biliar, que elas viram como símbolo da Santíssima Trindade.
Também, de acordo com Charlier, em 1286, um médico italiano realizou autópsias a fim de identificar a origem de uma epidemia, o que sugere que o procedimento não era vetado.
Porém, mesmo que mais investigações corporais ocorressem na Idade Média do que anteriormente acreditávamos, os anos 1200 continuam a ser a “Idade das Trevas”, no sentido de que pouco se sabe sobre dissecações anatômicas durante este período de tempo. Tanto que, quando Charlier e seus colegas começaram a examinar a nova amostra, eles suspeitaram que seria de 1400 ou 1500 – e acabaram surpresos com sua antiguidade.[io9LiveScience]

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